terça-feira, março 18, 2008

(O meu) Ensaio sobre a cegueira

Ontem vi num canal de televisão nacional uma daquelas reportagens de certa forma sensacionalista, que mais que tentar mostrar para a sociedade a boa vontade que ainda reina entre as pessoas, de obras sociais sem interesses obscuros, mostra os jogos de bastidores que se encontram por detrás como lobo vestido em pele de cordeiro.
Todo entusiasmado com que estava em saber o resultado do Sporting a vencer, ao contrário do que tem sido habitual, e reparei numa reportagem sobre doentes algarvios que se dirigiram a Cuba, com pensão completa paga pela autarquia, para serem operados a problemas oculares, grande parte deles a Cataratas.
Inicialmente pensei mesmo que se tratava de Cuba, a vila mais hospitaleira do Alentejo segundo os autóctones, e que para além da resolução do seu problema de olhos, também se iria tratar ali da alma a estes turistas algarvios, entre a boa comida alentejana, as gentes simpáticas e os ares saudáveis dos campos de trigo e vinho! E cheguei mesmo a considerar um bom negócio este de clínicas dispostas a englobar tudo num pacote nacional...
Estranhei, ou não, pelo seu já antigo conhecimento, que era mesmo Cuba, essa ilha igualmente de república socialista, mas onde ainda há ditadores, ao contrário da nossa, onde já impera desde Abril uma verdadeira democracia popular.

E porquê o meu debate sobre isto, a quem a política tem o interesse que tem de um cidadão que há muito deixou de acreditar nas instâncias governativas e de administração estabelecidas.
Em Portugal há capacidade para este tipo de cirurgias. O que se passa, e que levou à incapacidade de resposta para os problemas destes doentes foi um desinvestimento feito ao nível do sector público da saúde nesta como em outras áreas de medicina assistencial. E como quem paga sempre a factura é quem tem menos condições económicas para suportar por si só as despesas de uma saúde progressivamente mais técnica como dispendiosa quando realizada toda à custa do doente, levou a que milhares, sobretudo das faixas etárias mais idosas, com menos recursos tivessem que ficar em listas de espera de hospitais públicos em que há cada vez menos oftalmologistas, pela atracção que o sector privado exerce sobre estes profissionais.
Pode-se realmente culpar estes clínicos, por não terem sido "patriotas" e terem deixado de acreditar num sistema nacional de saúde, quando é a própria administração que prefere subcontratar profissionais ao privado? Eu acho que não. Foram já muitas vezes apelidados de mercenários e talvez os haja por aí, mas outros há que mesmo em exercício de uma medicina privada dão importância aos recursos sócio-económicos de uma população carenciada.

E se fosse realmente vontade das autarquias em causa resolver os problemas sem interesses escondidos, o sector privado nacional poderia mais que suficientemente e a preços sensivelmente semelhantes resolver os problemas destas gentes, a quem só a saúde interessa, nem que seja o diabo a oferecer-lha. Mas o show off político e audiovisual tem assim maior impacto ao se levar uma dezena de idosos que nunca saiu sequer do seu cantinho algarvio a Cuba, Antilhas, do que os mandar a uma clínica a Cuba, Alentejo, que pela pouca importância da deslocação teria pouca notoriedade e importância no acto eleitoral.
Não vemos o que não nos interessa.

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