quinta-feira, fevereiro 15, 2007

Codificar

O que para nós pode ser lógico, é para outra pessoa, um enigma. E não é preciso que haja uma disparidade entre os níveis de estudo atingidos ou das condições socioeconómicas e culturais de cada um. Tanto bla bla bla, porquê?
Reparei que essencialmente na Medicina, o médico, tem a tendência em recorrer a expressões técnicas para explicar a um doente ou familiar, qual a doença de que padece e quais as intervenções diagnósticas e terapêuticas que irão ser instituídas. Ora o que para a classe é perfeitamente entendível, é para o doente uma forma recambolesca de o tentar enganar, de omitir alguma informação que para ele será importante e em vez de esclarecer alimenta a sua dúvida.

O curioso é que em casa, já me "toparam", o que faz que quando eu me ponho a "armar aos pingarelhos", os meus "familiares, amigos ou conhecidos" começam a recorrer igualmente às suas armas linguísticas e debitam as suas leis da física quântica, as conjecturas microeconómicas de uma sociedade de comércio livre, as leis de processo do código civil, ou a falar numa outra língua só perceptível por alemães, italianos, russos ou japoneses...

Por isso é que não se pode partir do pressuposto que qualquer pessoa entende o que se está a tentar transmitir, e desta forma adaptar o que se quer dizer a cada um, sem medo de se utilizar expressões comuns para situações que são comuns. Um exemplo banal. Se uma pessoa tem uma dor de cabeça, dor de cabeça será, não uma cefaleia tipo cluster localizada na região fronto-parietal direita, que pode ser sugestivo de rotura de aneurisma sacular localizado na comunicante anterior do polígono de willis. Enfim... Troca-se o que é simples pelo super complicado, tentando comunicar como se a linguagem fosse essa de Deuses terrenos incompreensível para a Humanidade.

Uma boa comunicação é essencial para uma boa compreensão.

quarta-feira, fevereiro 14, 2007

Um dia

Boa tentativa do comércio para vender. Mas teriam mais sucesso se apostassem no amor eterno, constante, diário, horário, minutário, segundário, ...

É que o AMOR não tem um dia para se celebrar. É todos os dias que abraçamos esse Mundo, que nos completa e tomamos só para nós e dizemos, com toda a simplicidade
AMO-TE

segunda-feira, fevereiro 12, 2007

Investimentos

O que vou expor pode chocar algumas pessoas. Mas como fiz outrora, nunca deixei de dar os meus bitaites, em momentos que achei oportuno.

Pode haver aqueles que achem que não me devia estar a pronunciar sobre este tema, porque não fui votar. Mas o certo é que estava a trabalhar nesse mesmo dia, e estou inscrito nas listas de voto de uma freguesia a 312 km de distância. Se houvesse voto electrónico talvez desse para votar nem que estivesse a 600 km!
Mas em verdade, se tivesse ido votar, tinha sido muito difícil para mim decidir entre um simples Sim ou Não, para uma pergunta tão grande. E com o meu estado de cansaço de ontem acho que só leria o "Concorda…" e cairia para o lado exausto. Mas sem querer explorar argumentos pró e contra a proposta de lei, explicarei porque seria a favor de uma lei agora numa primeira fase, mas contra, num futuro que gostaria de ver bem próximo.

Partindo do pressuposto, talvez ingenuamente errado, de que todos somos contra a prática de aborto, não poderia votar Não agora, porque compreendo que um voto no Não implicaria uma alteração profunda na sociedade, que não seria possível de se obter já amanhã. Não era por se impedir e querer ajudar todas as mulheres ou casais com problemas, sejam de que ordem for, que se iria conseguir em tão pouco tempo tamanha consequência. Parece antagónico o que digo, e em toda a medida derrotista, mas realista, quando acredito que a prática de aborto é um acto condenável, ainda mais em países ditos civilizados. Mas votar Sim nesta fase é dizer, mesmo assim, que alguma coisa está mal e deve ser mudada. Mas infelizmente conhecendo este nosso pequeno país, a lei será criada e caminhar-se-á pelo caminho mais fácil, esquecendo-se os investimentos, esses sim, essenciais de apoio à natalidade, às famílias e mulheres carenciadas, para que num futuro, talvez utópico demais, nenhuma mulher tenha que abortar só porque não tem condições para ter essa criança, ficando só as poucas, porque querem e "mais nada", essas sim, a meu ver criminosas.

E aqui é que está uma falha em potencial na lei. Financiar-se-á um aborto a uma mulher ou casal, porque é mais barato que o apoiar a ter o filho, o que à luz do Portugal actual poderá não ser tão escandaloso, ou não, uma espécie de eugenia pré-concepcional, para evitar mais problemas sociais. Mas também se financiará um aborto a uma mulher que o utilize simplesmente como "método contraceptivo". E numa fase em que se fecham maternidades porque não há mais do que 200 partos por ano, abrir-se-á clínicas para a prática de interrupção voluntária da gravidez. E por isso acredito que esta nova lei que será criada deverá ser revista de futuro, quando e se Portugal atingir o grau de maturidade para assumir que é nas crianças que está o seu futuro e é nelas que devemos fazer todos os investimentos.

As mutações constantes da sociedade não podem ser ignoradas.

sexta-feira, fevereiro 09, 2007

Hipoteca

Estranha expressão, esta, que ouvi de um doente: "Dr, não deixe hipotecar a sua vida."

Fez-me pensar, mais do que inicialmente pude dar importância ao que este doente, com o seu ar patusco de Mr Pickwick, um verdadeiro pink puffer, me estava a tentar transmitir!
Compreendo agora o que me quis dizer. Alertava para a dificuldade que sentimos em separar o que é trabalho do que é pessoal, sobretudo quando nos envolvemos no trabalho como numa paixão ardente do fazer bem. Talvez tenha deixado transparecer, neste momento, acabadinho de sair de uma fornada de novos médicos, o sentimento de me deixar cativar em absoluto pelos meus doentes, de me entusiasmar com as suas histórias, a atenção que lhes dedico, o chegar de manhã bem cedo e ser o primeiro a dizer "Bom dia", com um sorriso, na esperança de contagiar a alma enfraquecida pela descontextualização habitual e mesmo assim contribuir para uma rápida melhoria e conforto. O cuidar do corpo e ao mesmo tempo contribuir para a cura espiritual. E é neste ponto que valorizo o trabalho de enfermagem. São eles, os enfermeiros, que estão inteiramente disponíveis, horas a fio perto do doente, a ouvir as suas queixas, os seus desabafos, a servir de almofada, que os acolhe e conforta. Nem quero imaginar o que seria dos hospitais, ou mesmo dos cuidados de saúde em geral sem eles. E são precisamente eles que mais se deixam hipotecar por esta profissão que tantas vezes se transforma inadvertidamente na vida em si.

Mas se fosse hoje, responderia sem hesitar. Nesta profissão, se não nos deixar-mos hipotecar, não mais seremos que técnicos, reparadores de corpos, e nunca verdadeiramente Médicos, pois saúde é um estado completo de bem-estar tanto físico como mental e igualmente social. E por isso não somos só médicos dentro dos consultórios ou hospitais, mas em todo e qualquer lugar, mesmo na nossa vida pessoal.

"Que a nossa mensagem seja a nossa própria vida."
Mahatma Gandhi

quinta-feira, fevereiro 08, 2007

Meu

Escrevo este post numa altura em que parece ter sido o visitante 1640. Se não tivesse uma visão de vida em que a organização política seria monárquica, deixaria passar este número, como qualquer outro.
Mas, neste post vazio de conteúdo, num blog em que o conteúdo é difícil de definir, exponho simplesmente o porquê de colocar de um dia para o outro três posts, apesar de serem de dias distintos.
Normalmente chego a casa após um dia de trabalho, não muito cansado, pois quem corre por gosto não cansa, e de vez em quando lá vou desabafando em silêncio comigo. Escrevo para mim, para eu ler, como memória escrita que partilho com o Mundo. Umas vezes escrevo sobre nada, banalidades, de forma pouco perceptível e outras sobre sentimentos "sentidos", com linguagem que reconheço desconexa, mesmo confabulante, como de um doente psicótico. Bem... Não vou começar novamente! E por isso às vezes publico textos enormes, que vou acumulando, para tentar esconder a falta de imaginação literária que tenho, do refinado saber de expor ideias, apesar de em momentos de puro egocentrismo me considerar razoavelmente bom, e publicar uma data deles de uma só vez... Mas o blog é meu e escrevo como quero e sobre o que me apetece. E atendendo aos comentários poucos ou mesmo inexistentes aos posts, reparo que poucos devem ser os que por aqui passam. Mas melhor assim, porque sempre se espalha pouco a porcaria.
Mas mesmo assim repito o desafio para que me "ouve", e que se encontra sempre presente aqui ao lado (e que agora reparo, com um erro!)...

Sê audaz, critica, comenta, dá-me a tua perspectiva

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

Suborno

Sou novo nestas andanças do ter que lidar não só com o doente e os colegas de trabalho, mas agora também o lidar com o familiar do doente. Tarefa que até agora deixava com a burocracia do hospital e era sempre o tutor que amortizava o impacto do "empurra" familiar.
E é, precisamente, nestes momentos que descobrimos que as pessoas cada vez mais pensam no seu umbigo e deixam por terra a amizade, o amor que deveriam sentir pelo próximo, ignorando o que seria a situação inversa. Não pretendo de maneiro nenhuma fazer juízos de valor, desconhecendo a verdadeira realidade de cada lar, os recursos económicos e sociais de cada família, mas ao se entupir os hospitais com os chamados casos sociais, fica muito pouca margem de manobra para quem de facto precisa dos cuidados de saúde em meio hospitalar, tornando os hospitais em dispendiosas casas de repouso.

Tudo isto, porquê? Esteve um doente internado, diria mais despejado no hospital com uma simples infecção urinária. E quando estava estável, da sua doença de base, decidiu-se dar alta clínica, indo medicado para casa com antibiótico. Contactámos a família que disse vir buscar o familiar nessa mesma noite. Mas noite após noite, lá ia o doente permanecendo no seu lugar, com aquele olhar de quem descobrira abruptamente o abandono espiritual, e só passados uns dias, um dos seus familiares disse querer falar com o médico responsável por ver o doente e com a própria Directora do Serviço de Medicina. E como somos uma equipa, saiu em sorte ser eu a falar com o familiar. E foi aqui que começou a estranha e bizarra situação de um suborno dissimulado, não desses monetários, mas de influências. "Eu sou sr Professor Universitário, conheço fulano tal e fulano tal, trato por Tu os grandes médicos portugueses...". Expressões do género, mas que nada me impressionaram, talvez pela minha ingenuidade noviça. E no fundo, parecendo o único entre os dois que verdadeiramente tinha em mente o doente, o cerne da situação, a razão de tanta discussão, decidi dar algum espaço de manobra, para depois "contra-atacar". E após uma discussão pacífica, lá consegui, que o sr Professor assentisse em levar o seu familiar, sem ter, no fim, mudado nada do que estava antes decidido, porque aos meus olhos todos os doentes são iguais, auferem dos meus direitos e merecem sempre o meu melhor.

Que nos espera a nós, geração rasca, se os da geração "certinha" agem desta maneira. Não quero pensar que chegados a velhos, vamos ser postos em caixotes como esses do lixo (o velhão) e enviados para locais isolados, onde não seremos incómodo para ninguém. Mas é sempre preciso lembrar que cada um de nós, mais novo não está a ficar, e que todos um dia seremos velhos, com necessidade de apoio dos mais novos, familiares e amigos, do seu amor, do seu carinho, direito que nos assiste, tal como o dever dos mais novos em cuidar dos mais velhos. É mais do que solidariedade, é uma prova de amor. Infelizmente, será caso de se dizer...

Cá se fazem, cá pagam.

terça-feira, fevereiro 06, 2007

Nem bom nem mau

E lá saiu a chave definitiva da prova de seriação de acesso ao Internato Complementar 2007. Que nome pomposo podemos dar às coisas simples! Mas isso é outra conversa...
Para mim foi nem bom nem mau. Subi alguns pontos desde a chave provisória, mas mal feito fora não ter subido. Algumas das questões tinham erros grosseiros, que num estado justo seriam considerados inadmissíveis. E apesar de não ter ficado completamente satisfeito com a correcção feita pelo Júri de recurso, da qual não há direito a recurso, que em algumas questões nos chamou indirectamente de meninos pedinchões, burros, incompetentes e com desculpas "esfarrapadas" para o desconhecimento, lá consegui ultrapassar a "barreira psicológica", auto-imposta do 70. Não foi mau, tive 71!
Não é mau, porque julgo ser o suficiente para a vaga que me está destinada de Medicina Interna em Viseu, mas por outro lado, permanece eternamente a insegurança de ser insuficiente e ter que ir para outro lugar em busca da vida que quero abraçar com toda a dedicação, empenho e paixão. E por outro lado este exame não revela de forma alguma o verdadeiro conhecimento de um jovem médico.

Como sabem, os que fizeram esta prova a determinado momento da sua vida, não pode haver prova mais ingrata, que em primeiro lugar só avalia a capacidade de concentração de uma pessoa, uma vez que por vezes as respostas possíveis são tão semelhantes, em segundo lugar só avalia a capacidade de memorização de insignificâncias e não o verdadeiro conhecimento técnico-científico essencial para um médico e que por último, se define a um ponto essencial, a sorte do momento. Seja uma realidade ou o somatório de factores não controláveis por cada um de nós, a sorte é determinante nesta prova e que faz toda a diferença entre a entrada numa especialidade e local que se deseja e uma outra qualquer situação de tão complexa, não ser explicável.
Ficamos serenamente à espera do mapa de vagas, que na minha opinião deve responder às verdadeiras necessidades do país, e não economicistas ou de outra ordem, e ter muitas vagas sobretudo de Pediatria, Ginecologia-Obstetrícia, Cardiologia, e um sem número de outras "super especialidades", para que as pessoas se possam sentir realizadas em trabalhar numa área médica que gostem verdadeiramente, e desta forma deixar a Medicina Interna para quem a ama de verdade. Independentemente de ser muito trabalhosa, ou pouco gratificante monetariamente. É que a realização profissional e a realização pessoal são complementares e acabam por ser um dos pilares da felicidade, e...

A felicidade não tem preço.

domingo, fevereiro 04, 2007

A noite

Tal escravo, novo, com ar robusto, na sua melhor forma física, lá fiquei novamente de Banco num Sábado e desta vez de noite.
Não que faça muito, como qualquer Interno nos dois primeiros anos de trabalho. Mas na verdade, lá vamos vendo os doentes, tomando algumas, poucas decisões e perguntando quase tudo. Vemo-nos em apuros quando temos Enfermeiros experientes, parecendo que nos estão a pôr à prova e constantemente a interpelar sobre a terapêutica de cada um dos doentes, mesmo que tenha sido revista 5 minutos antes. Como se conseguissem sentir o nosso pouco à vontade, o nosso calcanhar de Aquiles nesta fase, a prescrição terapêutica. Nem são os fármacos, o seu grupo, classe ou nome, mas esse flagelo do conhecimento médico, a dosagem e seus ajustes constantes em urgência!

Mas fora esta aprendizagem quase a martelo, que ou entra à força ou então parte, o Banco foi calmo inicialmente. Também que se pode pedir mais no IAU? Estava tão calmo que por volta das 4.30 horas decidimos ir descansar um pouco, para voltar daí a pouco. Mal sabíamos nós que essa noite não seria tão calma como de início. Passados apenas 10 minutos de ter feito a melhor cama que se pode fazer com um colchão de 5 cm de espessura, um par de lençóis e um cobertor, ouvimos uma voz suave que julguei ser a princípio de um anjo que na noite entrava nos meus sonhos. Anjo demoníaco que de boas novas nada trouxe e lá tivemos de nos levantar com toda a velocidade que é possível a uma hora destas e lá fomos tentar reanimar um corpo, desprovido já então da sua alma, que decidira passar a ponte precocemente para o Mundo de lá. Mais uma vez uma má interpretação da Morte que ao entrar num quarto da enfermaria se enganou na cama e no doente. E após 30 minutos de manobras de reanimação, declarou-se o óbito, de forma tão cruel, quanto pode ser a morte de uma pessoa aparentemente saudável, quando os moribundos permanecem numa serenidade agónica.
E se a teoria do caos fosse só uma ideia, não concretizável, tudo teria cessado por aqui. Mas com um problema vem sempre outro e outro atrás, e agora surgia um no IAU e outro na Reanimação, que nos obrigou a dividir esforços. E eu acabaria por permanecer sozinho no IAU, para tomar a frio decisões que nunca antes tinha tomado sozinho. Iniciar fármacos que tinha observado antes, de forma que tinha observado antes, para fins que tinha observado antes, mas em situações em que não tinha a responsabilidade de comando. Mas felizmente a vontade de não estar sozinho, nesta fase, em momentos destes, prevaleceu e uma presença de espírito inesperada que ultrapassava o meu próprio ser, fizeram-me, aparentemente tomar as decisões correctas e lá melhorou, o senhor que estava a descompensar. O grito de vida, neste caso afastou esse espectro negro, que ainda se ocupava da alma que levara minutos antes.

Fiquei orgulhoso de mim mesmo, mas é uma experiência que não gostaria de repetir tão cedo, a não ser que seja extremamente necessário. Estamos numa fase de aprendizagem e gostamos de sentir a segurança de um Sénior, alguém bem mais experiente, que tome as decisões nas dificuldades.
Quando chegeui a casa esta manhã, "eufórico" com tanta agitação, não consegui descansar, prolongando a noite, aproveitando para sonhar acordado. E o mal é que já estou novamente Sábado de Banco...

Nos momentos difíceis é que se vê do que somos feitos.