segunda-feira, março 17, 2008

Instinto

Quando é que irei confiar mais no meu juízo clínico, sem temer consequências do meu acto médico e sem limitar a minha atitude e pensamento, só porque sou ainda experiente enquanto Internista?

Na última urgência, vi um doente, que pela minha avaliação clínica me parecia ter um quadro clínico compatível com uma parésia facial do tipo periférico, condição que necessita obviamente de tratamento, mas sem grandes implicações clínicas para o doente e com relativo baixo grau de gravidade. Ora o mal, é que este mesmo doente tinha já sido observado por um colega de Neurologia, com a suspeita de esta parésia facial se tratar de um acidente vascular cerebral do tipo isquémico, ou seja central.
Como fico eu, ignorante na minha observação perante um colega com bem mais experiência clínica, apesar de em tudo na observação apontar para que a minha hipótese diagnóstica se tratar da mais adequada a este doente?
E ainda tive que informar erradamente a família e o próprio doente de que padecia de um quadro clínico bem mais grave que o que realmente tinha. E se a informação serve sobretudo para retirar muita da angústia que o doente e a família tem perante a doença, neste caso, a suspeita de se tratar de uma AVC, foi factor causador de maior ansiedade por parte de todos. Encontrei-me a defender ideias de outros, nas quais depositava pouca fé. Mas como em tudo na vida, este tipo de atitude de contrariedade perante o que se acredita correcto, faz-me sentir incapaz de pensar por mim mesmo, limitado que estava por opiniões de suposto rigor e excelência diagnóstica e de maior experiência.
O que acabou por acontecer, a bem do doente, é que mesmo com estas "lutas" de opinião, sobre quem está certo ou errado, lá se veio a constatar a título definitivo que se tratava de facto de uma parésia facial do tipo periférico, causada por uma infecção otológica concomitante e mesmo na altura do internamento, contemplando que a minha hipótese pudesse estar correcta orientei a terapêutica de forma a englobar as duas condições clínicas.

Lição a tirar. Mesmo mantendo a humildade necessária para saber que sempre terei limitações, e que é impossível saber-se tudo e ter 100% de eficácia diagnóstica, porque o juízo clínico é bem mais que o conjunto de conhecimentos individuais de cada um, tenho que começar a acreditar mais em mim, também na minha observação e juízo clínico, e se alguém for de opinião contrária à minha, que a justifique com factos objectivos e seja ele próprio a comunicá-lo ao doente.

O conhecimento é uma condição necessária, mas não suficiente para se ser médico.

2 comentários:

Anónimo disse...

Dr. Matrafão,
Importante a sua opinião a respeito de fato verídico, que se traduzem em orientação para leigos como eu!
Estou a procurar iñformações e orientações na internet, para um caso surgido em minha família. Trata-se de uma parésia facial, que minha filha, com 20 anos está a experimentar. Percebemos isso durante o seu noivado. O seu sorriso estava estranho, cujo movimento labial apenas um dos lados não apresentava movimento. Eu e minha esposa percebemos que o seu olho esquerdo, também, não fechava totalmente. Pedimos para que ela procurasse um neurologista, o que ela vem resistindo... Achamos que foi algo provocado pelo uso de lentes de contato. O senhor conhece algo a respeito? Obrigado, Nivaldo Trindade Santos - Ilhéus/Bahia/Brasil -ntrindade@bnb.gov.br

Anónimo disse...

Caro Dr Nivaldo

As parésias faciais, destinguem-se em periféricas e centrais.

Mais do que a investigação por uma panóplia de exames complementares de diagnóstico, é importante a avaliação clínica dos doentes.
Neste caso, na impossibilidade de ter uma observação cuidada da situação, mas baseado numa história clínica (descrita) que refere uma assimetria do sorriso,
associada a uma paralisia concomitante do musculo levantador da palpebra, leva-me a crer que neste caso se trate de uma paralisia facial do tipo periférico, ou seja uma paralisia associada a uma "lesão" nervosa do nervo facial e não uma condição a nível encefálica (como poderia ser um acidente vascular ao nível do tronco), onde neste último caso estaria de certo associado a outros défices neurologicos, que só em casos excepcionais passariam
despercebidos.

Mas como de nem sempre ou nunca é feita a medicina, mais do que um neurologista, seria importante a investigação e orientação por um Otorrinolaringologista (médico ouvidos, nariz e garganta), uma vez que mesmo na falta de mais dados clinicos, me parece poder tratar-se de uma infecção viral
de um destes orgãos (ouvido), que esteja a condicionar, como muito frequentemente acontece, esta paralisia.

Entretanto a sua filha, beneficiaria à partida de um tratamento local, com massagem facial (eu recomendaria massagem em forma circular junto ao angulo
da mandibula) e de o uso de antiinflamatorios, para resolução da situação.

Mas como digo, sem uma observação clinica cuidada por um médico, é dificil estar com certezas diagnosticas e consequentes orientações terapeuticas.

Os meus cumprimentos