quinta-feira, março 29, 2007

Piropos

Foi com muito agrado que ao ler o blog da Shara, reparei que não sou o único a chamar-lhe de mulher fenomenal, ou espantosa, ou outro qualquer adjectivo que por defeito na qualidade, fica muito aquém de a caracterizar! Realmente, é preciso alguém pouco presente em si próprio para ter a coragem para dizer o que muitos outros pensam, mas nunca chegam a ter a audácia para sequer sussurrar! Que a Shara é de facto uma mulher fenomenal!

Mas, é em momentos destes, que até pessoas, dos seus setentas e muitos, oitentas e poucos, nos fazem corar... Ora veja-se o caso da senhora simpática de terça feira à noite, "herança de balcão" da anterior equipa de urgência. Tinha ido por anemia, já estudada e seguida em consulta, para fazer 1 unidade de concentrado eritrocitário. Concluído o procedimento, já depois das 20 horas, preparávamo-nos para dar alta. Tal como faço a todo e qualquer doente, cada vez que olho para ele, expresso um ar de graça e dou um pequeno sorriso, só para animar um pouco que seja. E não é que sou retribuído com um piropo! "Ai, agora há cada médico mais jeitoso! O outro era um camafeu". E para espanto total e das colegas que me acompanhavam, ao abandonar o balcão, sou surpreendido com um: "Adeus borrachinho!". Corei... Que mais havia a fazer, senão disfarçar o flush facial, com uma pequena piada para o colega de Psiquiatria que ali se encontrava também: "Se calhar é melhor ver esta senhora, porque me parece muito desorientada e com desinibição sexual!".

E lá correu bem a noite, não por nos sentirmos bem connosco próprios, por dar um pouco de alegria a quem precisa, mas porque conseguimos "aviar toda a malta" do balcão até às 2 horas e ficar num descanso relativo até às 8h, altura de passagem de novo banco. Caso inédito em balcão mulheres, num hospital central como este!

Aparentemente nasci na década errada!

domingo, março 18, 2007

Manhã no Museu

Já me tinha esquecido como é bom estar na urgência sábado de noite, aproveitando o sábado e o domingo, como se tivesse acordado cedinho para gozar em pleno o dia!

Mas numa manhã primaveril, em que Lisboa saiu à rua (pelo menos 36000 deles) e passou a ponte de comboio para a voltar a atravessar depois a pé, decidi "enfiar-me" num museu. Prolonguei a ausência de sono, aproveitei as borlas de domingo de manhã e fui conhecer o Museu Nacional de Arte Antiga.

Se bem que muito agradável, não posso dizer que foi uma surpresa completa, pois sabendo que vivemos séculos numa cultura cristã, facilmente se compreende que é fácil confundir arte antiga com arte sacra. Ora, porque apesar de alguns quadros, loiças e mobiliário de uso comum passado, o grande volume de trabalhos expostos é referente a essa herança dos tempos de demonstração de fé, em obras de grande beleza estética. Desde a exposição temporária, de arte sacra pré-renacentista do museu de Varsóvia, com os seus dourados eternos, passando pela exposição permanente, entre imagens de Santos com maior ou menor devoção actual, retratos de Reis e Rainhas, ourivesaria única de Gil Vicente, esse mesmo dramaturgo, ourives de profissão, que proporcionou ao Mosteiro dos Jerónimos a coroa com a sua custódia do primeiro ouro vindo da recém descoberta África, até ao corolário de todo o museu, o Painel de São Vicente, tudo parece um ambiente de sacristia. Mas entre tanta demonstração de "arte", isto porque alguma só é arte por ser antiga, pois no fundo na altura em que foi criada, seria igual a actuais desenhos sem qualidade artística, consegui emocionar-me com um ou outro objecto ou quadro, nomeadamente esse, que premeia o final do percurso no museu, o Painel de São Vicente. Já tinha perdido a esperança de o ver, ao fim de caminhar kilómetros dentro do museu, mesmo seguindo as placas da sua localização, mas ao o ver, não consegui deixar de associar tantas das feições da altura, com tantos rostos que hoje reencontramos nas ruas de Portugal, como se o quadro se tratasse de uma representação esquemática do ser português, desde as suas profissões, credos e mesmo feições físicas.

Ao fim de alguns momentos passados em frente a uma imagem esculpida como se de um perfeito ser humano se tratasse, abandonei por fim o museu e percorri as ruas de Lisboa, com outros olhos. Os olhos de uma cidade tão cheia de história, como de vida, única mesmo no meio do seu tão típico caos, que tanto a caracteriza.

Valeu a pena perder um pouco de Sol!

sexta-feira, março 16, 2007

Como nos defines?

Há uns dias, e após dizer a todos que a minha vontade é voltar para a "província", perguntaram-me porque tinha ficado então, este ano em Lisboa.

No momento, fiquei sem uma resposta imediata para dar. Mas segundos depois, apercebi-me do que o inconsciente sempre me sussurrara. E por isso mesmo, a resposta sobre o que me fez tomar esta decisão, não seria tão simples como se esperaria. Para começar, pergunto. O que é que faz um Homem esquecer a sua vida, deixar tudo o que acredita e estar disposto a mudar? A resposta a esta pergunta retórica é, como não poderia deixar de ser, uma Mulher!
E esta é uma das razões pela qual fiquei em Lisboa mais um ano. Como em Hollywood soaria tão bem, para dar uma oportunidade ao amor.

E aqui é que entra o complicado da questão... Tanta entrega, tanta luta, e passado tanto tempo em conjunto, tanta partilha de emoções, vida, sensações, continuo sem conseguir definir o que somos. De uma coisa, nunca tive dúvidas. Sou teu, sempre fui e a ti entreguei todo o meu amor, a minha paixão, o meu ser, a ponto de não conseguir passar um momento que seja sem pensar em ti, sem te desejar ter perto de mim, parte de mim. Como se dependesse de ti para viver, e me alimentasse da esperança que me dás de um dia tu me pertenceres.

"Covarde não é aquele que chora por amor, e sim aquele que não ama por medo de chorar."

sábado, março 03, 2007

Juramento

Não por raras vezes confessei a vontade de entregar ao doente todo o meu conhecimento, toda a minha capacidade técnica, todo o meu espírito enquanto médico. E chegou hoje o momento de perante testemunhas, jurar sobre toda essa vontade, num Juramento de Hipócrates inicialmente sem emoção, com um discurso de História de várias horas, desde a mitologia grega ao século XXI, sem qualquer significado moral, ético ou mesmo sentimental, mas com um final, de poucas palavras que muito disseram sobre a conduta profissional que a todos nos rege.

É necessário é que todos vivam e cumpram pelas mesmas palavras que juraram, esqueçam o orgulho, a luxúria, o engano e não esqueçam nunca que

"A saúde do meu doente será a minha primeira preocupação"
Hipócrates

sexta-feira, março 02, 2007

Saudade

Por várias vezes perguntas por novidades. E eu quase sempre respondo, que está tudo velho, que não tenho nada para dizer.
Mas, sabes bem que não é verdade. A verdade é que a saudade é tanta, que não pode ser apagada por telefonemas diários, por histórias transmitidas por impulsos eléctricos, em que o afastamento visual elimina os sentimentos com que as palavras são ditas. E por isso, escondendo o desejo de um regresso rápido, tento manter comigo um pouco da ansiedade, ignorando a minha vontade de chamar por ti, porque sei que estás feliz, à tua maneira, mesmo afastado de nós.

E num próximo reencontro talvez um punhado de palavras expliquem muito das omissões diárias de uma vida que possuo desprovida de emoção, simplória, monótona.
O meu silêncio grita de saudade.

quinta-feira, março 01, 2007

Adiar a Vida

O que é a felicidade? Onde se encontra e como a podemos alcançar? Quando abraçamos com força um objectivo de vida, como uma carreira profissional ou um projecto social, será que nos completámos na felicidade ou estamos simplesmente a adiar a vida?

Não queria reduzir toda uma existência, a princípios animais. Mas a verdade é que o que nos torna realmente felizes é essa continuidade de nós, os frutos de gerações futuras que geramos, criamos, amamos e vemos crescer. E quanto mais estudamos, trabalhamos, entregamos a causas, ou distraímos com insignificâncias da vida que muitas vezes, erradamente julgamos importantes, mais adiamos o fim último de toda essa caminhada. O viver para os outros, para os nossos filhos, para os filhos dos outros, para os que estão para nascer, tal como os nossos pais fizeram por nós, sempre com um certo grau de entrega puramente altruísta e mesmo com elevado espírito de sacrifício.

Isto não significa que tudo o que fazemos não contribua para o bem-estar tanto próprio como colectivo. Mas a vida começa, realmente, quando abrimos os olhos da verdade e nos deixamos arrebatar pelo amor e começamos a construção de um percurso conjunto, de partilha, entrega e objectivos comuns.

O tempo não volta atrás.