domingo, maio 21, 2006

Ãnima

Há uns tempos conheci uma pessoa fenomenal, que me obrigou a uma introspecção profunda sobre a nossa própria espiratualidade. Trata-se de um dos doentes dos paliativos que acompanhei, e que apesar de não se conseguir expressar verbalmente, fazia-o por escrito, intitulando-se "vidente das almas". A minha primeira reacção foi pensar que esta pessoa já não se encontrava em perfeita condição psíquica, mas após algum tempo de convivência, conseguia perceber a verdade das suas palavras, das suas vivências, narradas incansadamente por uma mão com notórias dificuldades na articulação. Mas o mais importante foi perceber que a alegria voltou a esta pessoa, quando recuperou a sua capacidade de comunição com o seu exterior e com o próximo, porque acredito que interiormente esta pessoa nunca cessou de se dialogar, em permanentes debates espirituais, adquirindo a capacidade de ver muito para além da carcaça que nos cobre a todos. Frequentemente esta pessoa de vastos conhecimentos técnicos e científicos "avaliava-nos", fazendo o seu comentário, como se nas suas simples palavras conseguisse a essência do nosso estado de alma, finalidade utópica de uma psicanálise. Talvez seja difícil de acreditar, mas nestes momento senti que a vida física que representamos nada é, comparada com a montanha espiritual que somos.

E este foi um dos momentos que me fez pensar naquilo que alguns de nós, gostam de chamar "alma", o princípio que dá movimento à nossa vida (do latim Ãnima), que nos torna verdadeiramente únicos. Onde se encontram essas "21 gramas" que se perdem com o último suspiro? Desde os antigos egípcios, passando pela cultura greco-latina e finalmente pelo iluminismo, a sua localização foi-se transferindo desde o fígado, no caso dos primeiros, até ao cérebro, no caso dos últimos. Mas será que conseguimos reduzir esta espiritualidade a simples ligações cerebrais? António Damásio tem-se debruçado sobre esta problemática e apesar de tão cansada procura, julgo que não explicou as vezes que parece chocarmos contra um enorme comboio de espiritualidade, em que toda a razão e lógica se esbatem num emaranhado de certezas dúbias, em que convictamente, frequentemente sentimos como verdadeiras. Este foi o erro de Descartes, tentar dissociar a mente do corpo.
Há muito em nós, ou "extra-nós" que falta descobrir, e daí a demanda constante que nos dá ãnima...

"A essência de toda a vida espiritual é a emoção que existe dentro de ti, é a tua atitude para com os outros"
Dalai-Lama

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