sexta-feira, novembro 30, 2007

Ninguém decide

Queremos continuamente controlar tudo o que está ao nosso alcance, todas as condicionantes, e mesmo aquelas que estão acima das nossas capacidades. Tentamos ser autênticos deuses e deusas do nosso mundo, e chegamos à vontade de poder controlar sobre a vida e a morte.

Na experiência que tenho, pouca por sinal, fui já confrontado, não raras vezes, pela interpelação de doentes ou familiares destes, para que me decidisse sobre uma sentença de morte anunciada com aviso de recepção, para a qual nunca soube, nem poderia dar resposta. Sempre senti nestes momentos, a vontade de poder dizer que a Medicina chegara a um ponto em que a capacidade técnica permite que ninguém mais morra por doenças, por tristeza, por desilusão. Que a hora exacta da morte, hora sobre a qual ninguém tem a capacidade de decidir, seria uma consequência inevitável a longo e saudável prazo de uma vida de qualidade, de prazer, cheia de frutos.

E no outro extremo da vida, onde ninguém decide sobre a vida, o que me dá mais gozo ver é as expectativas goradas, das tentativas de atribuir um dia de nascimento a uma criança. Não pouco frequentemente, eles teimam em nascer um pouco mais cedo ou mais tarde, escapando às decisões externas.
E mais uma vez aconteceu... Mais um priminho que nasceu, dias antes da sua prevista e desde cedo antecipada chegada, e que mesmo assim deixou os pais radiantes de alegria, porque no meio de tanta falta de domínio de variáveis nasceu com um sorriso para o mundo, preenchido de vitalidade e força para começar a enfrentar as lutas diárias de um mundo em que o controlo quase nunca está sob nós.

Muitas Felicidades para a vida que agora iniciaste!

quarta-feira, novembro 28, 2007

Palavras que magoam

Já a teoria da relatividade lhe fazia menção. Não há como mudar o passado. Mas podemos sempre aprender com os seus erros, mudar o presente e esperar que o futuro seja diferente.

palavras que podem acabar com uma amizade. Palavras que magoam, que afastam, que na paradoxal característica única da condição humana, não são de desagrado, mas aquelas em que com todo o sentimento, toda a entrega nos deixamos envolver pela emoção e dizer mais que aquilo que alguma vez queríamos, sonhámos, imaginámos.
E só o conforto de saber que a dor auto infligida pelo silêncio é menor do que aquela que as palavras podem causar, levam-nos continuamente a afastar as pessoas com as quais nos sentimos bem, com as quais gostamos de partilhar parte da nossa vida, para não termos que admitir que o que sentimos seria só suficiente para partilhar toda a nossa vida.

Nem sempre falar alivia...

segunda-feira, novembro 26, 2007

Diferente

Sinto-me diferente, mais leve, com menos pensamentos daqueles que por tantas ocasiões me desgastam e fazem ficar a moer horas a fio, para quase sempre chegar à infeliz conclusão de que nada valeu, tantos pensamentos, tantas reflexões, por situações menores que não mereciam o esforço.
Fez-me bem conversar, expurgar alguns dos demónios que me atormentavam, falar do que não pensava ser possível, com alguém que sofreu bastante enquanto ouvinte e que teve de aturar todas essas minhas lamentações, que após a partida do meu irmão se acumulavam de tal forma que parecia não me conter mais. E como bomba prestes a explodir, bastou um pouco de corda, para me abrir completamente, livro empoeirado, à muito fechado e que de repente se abre e revela os seus segredos, as suas alegrias e tristezas, a sua história inacabada pelas páginas finais deixadas em branco, de uma história que parece não ter fim.
Não costumo falar muito sobre mim, prefiro ouvir, e que prazer me traz a audição. Mas nestes dias encontrei alguém que não me é indiferente, mas que mal conheço, e que me faz sentir bem a partilhar, desde os pedaços mais simples do meu dia-a-dia até às questões que para mim são das mais transcendentais.

Dizes ter muitos defeitos, mas impaciência não é um deles!

sábado, novembro 24, 2007

Lareira

Como me sinto bem em Viseu, quando vou de fim-de-semana. O carinho dos meus pais, o conforto que me dão e a lareira acesa, os serões passados a contemplar o seu calor, a sua luz, a companhia. E eu lá vou agradecendo tanto aconchego, saindo de casa nos Sábados à noite.
Não sei como ainda me vão aturando e aos meus caprichos. Vou para os ver, sobretudo por eles e eles fazem tudo para que me sinta bem, na condição, muitas vezes, de seu "filho único", e dou por mim a trocá-los por uma noite ao frio, muitas vezes fútil, de uma felicidade efémera do momento.

Adoro-vos! E à lareira também...

sexta-feira, novembro 23, 2007

Felicidade

Não tenho sorte nenhuma no jogo, e então no amor, nem falo... Como se todo este tipo de azar se concentrasse numa só pessoa, tal martírio de Job, abatido sobre mim sem digna justiça.
Mas, também não posso dizer que a vida e a sorte me abandonaram por completo. Bem pelo contrário. Sinto que a vida até me tem sorrido de forma particular! Apesar das quedas que se vai tendo, benéficas na medida em que nos fazem perceber a emoção que é viver com obstáculos ultrapassáveis, tenho atingido muitos dos objectivos a que me propus.
Há uns dias era enorme o meu receio de não haver uma vaga para formação complementar em Medicina Interna no hospital que pretendia, o que se traduzia em mim numa enorme angústia, que se manteve até ao momento em que dei um salto de contentamento quando soube que não só havia mais que 2 ou 3 vagas, mas sim, 5 vagas. Fiquei, nesse dia com a certeza quase absoluta que uma delas tinha já o meu nome. Mas como a vontade de viver angustiado é superior à certeza de que tudo está bem, no dia anterior ao da escolha, senti o que nunca tinha sentido, em momento algum, mesmo em situações verdadeiramente problemáticas do passado. Uma crise de pânico que surgiu durante a noite e que me fez acordar de um sono que eu acreditava pacífico. De nada valeu, mais uma vez, tanta incerteza.
Lá entrei no queria, não desde sempre, mas para onde 6 anos de curso e um de Internato me mostrou de que seria o caminho que me traria a Felicidade e sobretudo no local onde desde há muito queria tomar como o meu cantinho.
"Não existe um caminho para a felicidade. A felicidade é o caminho."
Mahatma Ghandhi

quinta-feira, novembro 15, 2007

7 anos

Ainda há algumas coisas que me espantam, mesmo contando com uma curta experiência cheia de vida... Tive uma percepção abrupta da a infinita pequenez do mundo.

Antes de rumar a Lisboa por obrigação, andei um ano a "passear os livros" por Coimbra, nos longínquos anos do senhor de 1999 e 2000. Recordo esse ano único, o de caloiro, não pelo o simples e inexplicável efeito estudificante que a cidade gera em cada um dos seus estudandos, mas saudosamente pelos amigos que por lá abandonei e que no dia de hoje recordei com alegria.
Mas se por outras vezes, a memória vem sem aviso prévio, visitante amiga de momentos mais serenos, desta vez, foi fruto de uma visitação do passado, não daquele mau que queremos para sempre esquecer, mas de um bom, que há muito não invocava. Por ironia do destino, ou simples coincidência, encontrei numa das consultas, uma pessoa amiga que conhecera enquanto coimbrinha. E se outrora, já me gabei pela minha imensa memória, desta vez foi castigo não ter logo reconhecido a sua expressão, o seu rosto, a sua singularidade, a sua beleza, que em momentos de regressão Conimbricense me acompanharam, consequência de um amor platónico alimentado sem sentido, como todo o sentido que faz a paixão ignorada, e sem nunca ter tido, muito menos, a coragem de me denunciar em tempo oportuno. Mas como o tempo tudo cura, até as feridas mais profundas, o afastamento pouco natural de 7 longos anos, fizeram-me esquecer, lamentavelmente, pedaços dessa minha existência. Não era no Tibete que tinha estado, mas a distância maior que qualquer outra, essa que se encontra entre Coimbra e Lisboa, distância cruel do tempo contado pela perda dos amigos, das pessoas de quem gostamos, das lembranças saborosas.
E se o fado que a todos nos guia fosse gentil, teria passado despercebido, silencioso e sem aviso. Mas fui reconhecido, por ela, mesmo quando pensava que eu não passava além de uma cara conhecida, dessas desconhecidas que diariamente se cruzam connosco. E ao ser contactado, longe do local do crime, local onde as memórias são mais fáceis de perceber, recordei por fim os traços do seu rosto que resistiam ao tempo, a sua expressão de uma verdadeira Castro, rainha e majestosa, e acima de tudo, o grande amigo comum que abandonei e que hoje recordo também com enorme e sofrível saudade.

E para não complicar as coisas, como os dois meses de convivência no passado, também quis a providência divina que, novamente agora, as pegadas do nosso caminho se apartassem em direcções distintas, numa outra fase de viragem da minha vida. Mas no fundo, não gostaria que as lembranças que nos fazem sorrir, só se materializassem em períodos tão longos, porque mesmo com toda a magia do número, 7 anos, é demasiado tempo.

"As coisas vulgares que há na vida

Não deixam saudades

Só as lembranças que doem

Ou fazem sorrir

Há gente que fica na história

da história da gente

e outras de quem nem o nome

lembramos ouvir..."

in Chuva - Jorge Fernando

quarta-feira, novembro 14, 2007

A A's

Hoje estiveram no Centro de Saúde dois representantes da associação Alcoólicos Anónimos, os tão famosos AA. Não me provocaria nenhum interesse este tema, eu que sou um verdadeiro "copinho de leite", ao não consumir qualquer tipo de álcool, se não fosse uma expressão que fixei, dita por um deles, antigo alcoólico, e que presentemente após algumas recaídas ajuda outros a ultrapassarem esta forma de toxicodependência.

"Recordo a vida em flash’s"
Nunca outrora tinha reflectido sobre esta questão, mas uma pessoa alcoolizada, com as funções racionais diminuídas ou mesmo suprimidas, não tem capacidade de fixação dos momentos especiais, únicos na vida. O constante estado de embriaguez faz com que as pouquíssimas lembranças de situações vividas em fases minimamente lúcidas, pareçam imagens isoladas, retiradas do seu contexto, suprimindo-lhes qualquer tipo de significado especial, um quase anonimato de vida ao próprio.
Deve ser muito doloroso acabar no fim por ter a percepção da miséria que a condição humana pode suportar, sendo essa mesma ansiedade um risco em si, para retomar o consumo.

terça-feira, novembro 13, 2007

Ninguém diga que está bem...

Pensamos nós, enquanto médicos que podemos controlar a dor, a doença, a vida, e quando damos por nós sentimos dor, adoecemos e morremos como os restantes.
Foi com uma enorme surpresa que soube que um colega meu de curso e grande amigo adoeceu subitamente, de tal maneira que teve que ser submetido a uma intervenção cirúrgica de urgência. Uma simples apendicite, o mal do flanco, como era designado na idade média onde levava muitas almas, que surgiu como seria de esperar sem aviso prévio, atacando desta parte aquele que em circunstâncias normais deveria diagnosticá-la de imediato. E para provar que "em casa de ferreiro, espeto de pau", a negação foi levada até a um extremo em que poderia por mesmo em risco de vida, por nos acreditarmos como semideuses, imunes por natureza às mesmas leis que o comum mortal.
Mas no meio disto, há o seu quê de experiência que doutra forma não seria vivida... Uma das coisas das quais mais senti curiosidade em saber, porque nunca fui operado, foi saber de forma objectivamente descrita, qual a sensação que se tem durante a indução anestésica e o acto cirúrgico em si! E se estava à espera que me fosse dita uma resposta conclusiva, que me causasse espanto, foi grande a decepção ao saber que nem dois segundos bastaram para entrar num sono tão profundo, não-REM, impossibilitando o estado de vigilância da mente, que permitisse a "visão" de algum fenómeno ainda por descrever. Talvez tenha eu mesmo de ser sujeito a uma cirurgia, para avaliar por mão própria os seus efeitos!
As melhoras rápidas.

sexta-feira, novembro 09, 2007

Navegadores

Que experiência fenomenal! Nunca cheguei sequer que pudesse ser possível vivenciar um tipo de experiência como esta em pleno território nacional. Exercer uma Medicina de um quase cenário de guerra, com condições mínimas, mas oferecendo tudo de corpo e alma, num país dito moderno como o nosso!
Numa actividade que visa melhorar as condições de acesso à saúde de populações carenciadas, fui com três enfermeiras, numa carrinha do programa "Saúde XXI", para o bairro dos Navegadores, prestar cuidados primários de saúde, desde saúde infantil, a planeamento familiar, passando por uma ou outra urgência que se possa resolver com o pouco que levamos. Foi engraçado ver que, onde mesmo as autoridades de segurança receiam entrar, somos recebidos em clima de festa, como um velho amigo que visita velhos conhecidos, sem em momento algum recear pela minha própria segurança.

E não podia estar mais adequado o nome deste bairro. Como verdadeiro gueto, com acesso único, onde foram colocados muitos dos realojados do concelho, pensei nestas gentes como autênticos navegadores quinhentistas, rejeitados da sociedade, condenados e loucos que partiam para a descoberta de um desconhecido mundo, à procura de uma vida melhor "além-mar" que lhes trouxesse glória, também estes novos excluídos se encontram à deriva num mar social procurando sem nunca perder a esperança por melhor vida.

E só o contacto humano, único, fez-me ansiar por voltar um outro dia, ou mesmo numa outra ocasião partir para outros países, onde este trabalho é tão preciso, onde por fim os navegadores do nosso tempo possam encontrar um "porto salvo" de abrigo com condições iguais aos demais.

Se não vai Maomé à montanha, vai a montanha a Maomé.
ditado popular